‘Não é só a economia, estúpido’
Uma abordagem analítica do PCC através do Eixo Prisional-Construtivo-Ideológico
DOI:
https://doi.org/10.56081/revsusp.v3i1.595Resumen
O objetivo do texto é apresentar uma análise da rede criminal constituída a partir do pertencimento ao PCC, compreendendo os mecanismos através dos quais ela se constrói, se expande, se fortalece; descrever os recursos que fluem entre os atores que dela fazem parte, delineando a obtenção do capital social de seus membros e a sua operacionalização; verificar se e em que medida, há alguma especificidade no que diz respeito ao pertencimento ao PCC e que possa explicar a extensão, a densidade, a regularidade, a estabilidade e a complexidade da rede que se conforma em torno e a partir dos irmãos. Consideramos que a rede criminal constituída em torno do PCC é composta de dois núcleos fundamentais: um deles em que predominam
os fluxos econômicos, constituídos através dos mercados ilícitos, especialmente, do tráfico de drogas e que tem no território de fronteira um lócus estratégico e fundamental de ancoragem e que aqui denominamos Eixo Fronteira-Comercial-Econômica (Eixo FCE); o segundo núcleo envolve a produção e reprodução das redes através das prisões, onde os conectores
desses laços assumem uma dimensão fortemente ideológica em que o amálgama que vincula os indivíduos entre si estão diretamente relacionados aos valores, crenças, práticas e experiências compartilhadas, a experiência do encarceramento em particular e dependem de laços fortes calcados na confiança, na lealdade e da centralidade do pertencimento ao coletivo e que aqui chamamos de Eixo Prisional-Construtivo-Ideológico (Eixo PCI). A fronteira e a prisão constituiriam dois pontos de densa concentração das redes nos quais os recursos que permitem o estabelecimento das conexões entre esses nós são, respectivamente, econômicos e ideológicos.
Trata-se de eixos complementares na conformação da atuação das redes prisionais-criminais como o PCC que, atualmente, são atores protagonistas das dinâmicas criminais no Brasil. Contudo, neste texto, focalizaremos a análise apenas no Eixo Prisional-Construtivo-Ideológico, analisando mecanismos, procedimentos, práticas e normas que consideramos essenciais para compreender a atuação deste grupo e o fenômeno em sua forma mais geral que, atualmente, caracteriza a configuração do crime no Brasil. Compreender a dinâmica do Eixo Prisional-Construtivo-Ideológico permite delinear singularidades do PCC que podem ajudar a explicar o
seu crescimento, resiliência, relativa coesão e estabilidade nestes trinta anos de existência, bem como a posição relevante que assumiu no mercado criminal. O argumento que será aqui apresentado é que o vínculo com a prisão representa a um só tempo, a potência e o limite da expansão do PCC e a expansão econômica alcançada na última década, paradoxalmente, tensiona as relações sociais e o equilíbrio que está na base da existência do PCC e que envolve o precário balanço entre interesses pessoais e interesses coletivos, elementos econômicos e ideológicos, vínculos internos fortes e vínculos externos fracos.
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